AIDS/HIVAids na população negra: falta de informação |
27/08/2005 |
No último dia 16, o Ministério da Saúde juntamente com o Programa Estratégico de Ações Afirmativas lançou o Programa contra Aids dirigido à população negra. A prioridade é, em um primeiro momento, o levantamento de dados relacionados à “raça” (auto-identificação), que até 2001 não fazia parte dos relatórios de incidência da doença, para então se traçar projetos de políticas públicas. “Reconhecer que sabemos pouco sobre população negra e racismo dentro da Aids e ampliar esta discussão é a principal meta do programa”, afirmou Karen Bruck, assistente técnica da Coordenação Nacional de DST/Aids. O perfil da Aids, que foi se modificando desde seu aparecimento nos anos 80, passou a apresentar uma pauperização, e apenas com o aumento dos dados recentes que incluem raça nos bancos de dados sobre Aids, verificou-se também um aumento não proporcional da doença na população negra. “Existe uma sobreposição entre população negra e pobreza e que deve ser investigada no caso da Aids”, afirma Francisco Inácio Bastos, que pesquisa as tendências da epidemia de Aids no país no Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz. Existem poucos dados que diferenciam a incidência dos soropositivos (portadores do vírus HIV) de acordo com a raça na população brasileira. Alguns dos disponíveis, no entanto, apontam um risco maior entre os negros, a exemplo dos índices publicados na tese de doutorado Mulheres e homens negros: saúde doença e morte de Luís Eduardo Batista, da Unesp de Araraquara, em 2002. Os dados relativos ao estado de São Paulo de 1999 a 2000, mostram que a incidência do HIV entre homens negros era de 25,9 para cada 100 mil óbitos, enquanto para os brancos era de 14,4/100 mil. Já no caso das mulheres negras as mortes equivaliam a 11,39/100 mil e entre as brancas a 4,92/100 mil. Mais do que apontar uma maior mortalidade entre a população paulista negra, o estudo revela que as mulheres negras têm uma chance de morrer de Aids muito próxima a dos homens brancos, ou seja, há um peso diferenciado do morrer, como definiu Maria Inês da Silva Barbosa, diretora da Subsecretaria de Políticas de Ações Afirmativas. “Por que o negro está morrendo mais?”, questiona. O trabalho em 2003 por Fernanda Lopes, da Faculdade de Saúde Pública da USP, pode dar algumas pistas. Depois de analisar 1.068 mulheres (542 negras e 526 não-negras) maiores de 18 anos atendidas em serviços públicos de referência para o tratamento de DST/Aids do estado de São Paulo, ela concluiu que as negras são mais vulneráveis à reinfecção e ao adoecimento do que as não-negras. Entre as explicações apontadas no estudo está o fato dessas mulheres terem dificuldades de acesso à educação formal, condições de moradia e habitação menos favoráveis, baixo rendimento individual e familiar per capita, mais dificuldade de acesso ao teste diagnóstico e, quando se descobrem soropositivas, deixam de receber informações importantes para melhoria de sua qualidade de vida. O grande problema, de acordo com a diretora da Subsecretaria de Políticas de Ações Afirmativas, é a existência de um sistema de saúde que se propõe de acesso universal e igualitário, como o Sistema Único de Saúde (SUS), mas que acaba camuflando a diferente prevalência de doenças na população negra. Assim, a iniciativa do Ministério da Saúde foi bem recebida por Francisco Bastos, da Fiocruz. Porém, ele enfatiza que é preciso priorizar, sobretudo, os dados em relação ao adoecimento, morte e acesso ao tratamento entre a população negra, quase inexistentes. A iniciativa brasileira não é pioneira, há exemplos de incluir a variável raça nas estatísticas sobre Aids também em países desenvolvidos, como Inglaterra e EUA. Mesmo assim, trata-se de uma preocupação recente que agora entra no debate internacional. Um exemplo foi a preocupação da Fundação de Ciência Austríaca (FWF, na sigla em alemão), que recomendou, neste mês, a inclusão das diferenças culturais (minorias étnicas) e de gênero, quase nunca presentes, nos planejamentos dos sistemas de saúde modernos, de forma a melhorar a qualidade e expectativa de vida destes pacientes. Entre as metas do Programa de combate à Aids entre a população negra brasileira, está, a curto prazo, a capacitação de “pelo menos 50%” dos técnicos da rede do SUS, como frisou Barbosa, com a participação de profissionais negros, além do desenvolvimento de estratégias de comunicação entre usuários e profissionais da saúde de modo a sensibilizá-los para a existência de diferenças na incidência da doença na população negra. Também estão programadas parcerias entre as universidades e os movimentos sociais, para melhorar as informações e se traçar políticas públicas que poderão sustentar a longo prazo uma mudança no quadro de saúde dos negros.
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